Cobrança na internet: o que é permitido e quando vira crime?

A digitalização das relações comerciais facilitou o contato entre vendedores e consumidores, inclusive na hora de cobrar dívidas. No entanto, a facilidade de comunicação nas redes sociais e aplicativos de mensagens também exige responsabilidade. Um recente caso no Brasil reacendeu o debate: até onde vai o direito de cobrar e quando ele se transforma em crime?
O caso que acendeu o alerta: exposição pública e constrangimento
Tudo começou com a compra de um celular no valor de R$ 2.360. A consumidora pagou R$ 500 de entrada, mas, ao perder o emprego, pediu mais prazo para quitar o restante da dívida. A resposta do vendedor, no entanto, passou dos limites do razoável.
Ele expôs a cliente em uma montagem com sua foto, a palavra “wanted” e a expressão alemã “tot oder lebendig” (“viva ou morta”), disseminando essa imagem entre amigos, familiares e nas redes sociais. Para piorar, fez ameaças públicas, sugerindo que entraria em contato com o novo empregador da cliente. A situação ultrapassou qualquer limite ético — e legal.
O que diz a Justiça sobre esse tipo de cobrança?
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) foi categórico: houve dano moral e violação dos direitos da consumidora. O comerciante foi condenado a indenizar a cliente, retirar todas as postagens ofensivas e se abster de novas publicações sob pena de multa diária.
A base legal da decisão está no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe expressamente o uso de ameaças, constrangimentos e exposição ao ridículo durante a cobrança de dívidas. O tribunal reforçou que a cobrança extrajudicial é válida, mas precisa obedecer aos parâmetros legais e éticos.
Cobrança pela internet é legal?
Sim, é permitido cobrar pela internet — seja por e-mail, mensagens ou redes sociais —, desde que se respeite a dignidade do consumidor. O que não se pode fazer é:
- Publicar nome ou foto do devedor como forma de pressão;
- Utilizar palavras ofensivas, ameaças ou ironias;
- Envolver terceiros (como familiares ou empregadores) na cobrança;
- Fazer qualquer tipo de exposição pública com o objetivo de constranger.
Quando a cobrança vira crime?
Dependendo da situação, a cobrança abusiva pode ser enquadrada em diversos crimes previstos no Código Penal, como:
- Injúria: ofensa à dignidade da pessoa;
- Difamação: atribuição de fato desonroso à reputação do outro;
- Perseguição (stalking): insistência abusiva com o objetivo de intimidar ou causar sofrimento.
Além disso, o devedor pode entrar com processo por danos morais e solicitar medidas protetivas, principalmente se houver ameaça ou exposição pública recorrente.
Como cobrar corretamente em ambiente digital?
A melhor abordagem para cobrar uma dívida é baseada no diálogo, empatia e legalidade. Algumas boas práticas incluem:
- Utilizar linguagem respeitosa e profissional;
- Oferecer alternativas de negociação;
- Registrar conversas e evitar interações públicas;
- Ter cuidado com o tom e o canal escolhido para o contato.
Empresas e vendedores autônomos devem lembrar: o objetivo é recuperar o crédito, não criar um conflito jurídico ainda maior.
Conclusão: respeito é a chave para uma cobrança eficaz
Cobrar é um direito, mas constranger é crime. O caso recente mostra que a linha entre cobrança legítima e prática abusiva pode ser tênue, especialmente no meio digital. Para evitar sanções legais e prejuízos à reputação, credores devem sempre agir com responsabilidade, empatia e em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor.