O custo invisível das práticas abusivas no telemarketing e cobrança massificada

Ontem, o Fantástico publicou uma reportagem que escancarou e quantificou algo que todos já sentimos na pele: as práticas abusivas de empresas de telemarketing, cobrança e até mesmo de fraudadores, realizadas em grande escala no Brasil.
É importante lembrar que ações massificadas desse tipo têm um impacto direto sobre a população, podendo gerar efeitos devastadores em nível individual — como mostrou a própria reportagem. O primeiro mecanismo de defesa do consumidor tem sido simplesmente não atender chamadas de números desconhecidos. Mas quais são os resultados práticos disso? O Fantástico trouxe um exemplo alarmante:
“O problema já atingiu até a central de transplantes da Santa Casa de Porto Alegre. ‘A gente já teve pacientes que perderam a oportunidade de receber um órgão porque não atenderam o telefone’, conta a enfermeira Jaqueline Bica.”
Esse caso só reforça a importância da ética e do pensamento crítico quando lidamos com ações massificadas. Práticas que, isoladamente, podem parecer inofensivas, quando acumuladas se tornam um verdadeiro problema de saúde pública e confiança social.
Efetividade e risco jurídico: o caso da alteração de DDD
Vamos analisar a efetividade e o risco jurídico de uma dessas táticas: a alteração do DDD da chamada (conhecida como masking), utilizada para fazer o destinatário acreditar que está recebendo uma ligação regional.
Do ponto de vista legal:
- Alterar o DDD de uma ligação de call center é ilegal, podendo configurar fraude eletrônica, com pena de até oito anos de reclusão. É também considerada prática abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
- Normas relevantes:
- A regulação da Anatel proíbe expressamente a alteração ou falsificação do número de origem. Empresas podem ser multadas e ter seus números bloqueados, conforme a Resolução nº 752/2022 (Combate ao Telemarketing Abusivo).
- Jurisprudência: Embora não haja muitos casos criminais exclusivamente por alteração de DDD, já existem decisões administrativas e cíveis reconhecendo a ilicitude da prática.
Em resumo: Alterar o DDD de uma chamada (masking), sem autorização, é ilegal conforme a Anatel e pode ser considerada abusiva pelo CDC. A criminalização direta depende de dolo e da intenção de obter vantagem ilícita, mas, mesmo sem isso, há risco real de sanções administrativas e cíveis.
A obsolescência das táticas abusivas
Mas e na prática? A tática ainda traz algum valor para as empresas? Aqui está o ponto fundamental:
- O uso massivo da alteração de DDD tornou a prática obsoleta antes mesmo da repressão regulatória total.
- Assim como ocorre com SPAM e robocalls, o público rapidamente desenvolve mecanismos de defesa: desconfiança, bloqueios, denúncias e uso de apps anti-spam.
- O resultado é um “imunidade comportamental”: o truque perde a efetividade e passa a ser um sinal claro de abordagem indesejada, prejudicando ainda mais a imagem das empresas envolvidas.
- O ciclo de saturação e adaptação do mercado transforma práticas abusivas em ineficazes e contraproducentes.
Reflexão final
Portanto, até quando ações em massa, praticadas sem pensamento crítico, realmente agregam valor ao negócio? E mais: qual é o custo de ignorar a ética e o impacto individual em nome da “performance”, especialmente em setores que lidam diretamente com a vida e a dignidade das pessoas?
É hora de repensar estratégias. Práticas abusivas podem até gerar resultados de curtíssimo prazo, mas destroem reputação, confiança e, muitas vezes, vidas — além de colocar empresas sob risco jurídico real. Ética, inovação e respeito ao consumidor devem estar no centro das operações.