A Inteligência Artificial na recuperação de crédito

A recuperação de crédito é essencial para a saúde financeira das empresas, mas enfrenta inúmeros desafios operacionais e jurídicos. Dificuldade na localização de devedores, morosidade nos processos judiciais, bloqueio ineficiente de bens e altos custos são apenas alguns dos obstáculos enfrentados pelas empresas credoras.
Diante desse cenário, a inteligência artificial (IA) surge como uma aliada poderosa para transformar e modernizar os processos de cobrança, tanto no setor privado quanto no Judiciário.
Os principais desafios na recuperação de crédito
Tradicionalmente, a recuperação de crédito envolve etapas morosas como identificação de bens penhoráveis, bloqueio de valores e procedimentos judiciais de execução. Além disso, o acompanhamento de milhares de processos judiciais demanda tempo, equipe especializada e custos altos, como honorários e atualização monetária da dívida.
Mesmo com ferramentas como Sisbajud, Renajud e Infojud, essenciais para consulta de informações, a atuação humana ainda é fundamental para que essas ferramentas sejam eficazes.
Como a inteligência artificial pode transformar a cobrança
A IA permite a análise de grandes volumes de dados em tempo real, o que favorece decisões mais rápidas e estratégicas. Associada ao Big Data, essa tecnologia pode:
- Identificar padrões de inadimplência;
- Prever comportamentos de pagamento;
- Personalizar estratégias de cobrança com base no perfil do devedor;
- Otimizar o contato com clientes inadimplentes, escolhendo os melhores canais, horários e abordagens.
Além disso, a IA pode contribuir na definição de limites de crédito e na antecipação de riscos, reduzindo a inadimplência antes mesmo que ela ocorra.
O uso da IA no Poder Judiciário
O Judiciário brasileiro vem adotando gradualmente a IA para automatizar tarefas repetitivas, classificar processos e dar suporte a magistrados e servidores. Exemplos concretos já mostram o potencial transformador dessas ferramentas:
- Apoia (TRF-2): assistente virtual integrada à plataforma digital do Judiciário que realiza classificação de processos e síntese de informações.
- Plataforma Victoria (TJ-RJ): automatiza execuções fiscais, busca ativos via Sisbajud e propõe minutas de sentença.
- Radar (TJ-MG): localiza casos repetitivos por palavras-chave e facilita julgamentos em bloco.
- Elis (TJ-PE): faz triagens em massa, substituindo meses de trabalho humano por poucos dias de processamento automático.
- Robôs Poti, Clara e Jerimum (TJ-RN): realizam bloqueios e desbloqueios de valores, emitem certidões e classificam processos.
Essas soluções demonstram como a IA pode reduzir o congestionamento processual e aumentar a efetividade da cobrança judicial.
IA e órgãos públicos: além do Judiciário
Outros órgãos públicos também têm investido em soluções tecnológicas para aprimorar a recuperação de ativos:
- Petrobras, MPF e AGU: desenvolveram sistema para cruzamento de dados públicos e privados com o objetivo de localizar bens, contas e participações societárias de devedores.
- STJ Logos (STJ): motor de IA usado na produção de decisões judiciais.
- Diretrizes do TJ-SP: estabeleceram normas para o uso ético e transparente da IA, visando segurança jurídica e proteção de dados.
A importância do uso ético da inteligência artificial
Apesar das vantagens, é essencial que a adoção da IA respeite os direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. O uso indiscriminado ou mal regulamentado dessas ferramentas pode acarretar violações à dignidade da pessoa humana.
Souza e Siqueira (2020) alertam que o uso de IA no Judiciário deve ser acompanhado por supervisão humana constante, garantindo legalidade, justiça e responsabilidade.
O marco legal da inteligência artificial no Brasil
O Senado aprovou, em dezembro de 2024, o Projeto de Lei nº 2.338/2023, que propõe o marco legal da inteligência artificial. O projeto, em tramitação na Câmara dos Deputados, estabelece:
- Regras específicas para sistemas de alto risco;
- Supervisão humana obrigatória;
- Proibição de comportamentos discriminatórios;
- Diretrizes de governança e responsabilidade.
Se aprovado, esse marco poderá impactar diretamente a forma como o Judiciário e o setor privado aplicam a IA na recuperação de crédito, reforçando princípios éticos e jurídicos.
A inteligência artificial tem potencial real de modernizar e tornar mais eficiente a recuperação de crédito, tanto na esfera privada quanto no âmbito judicial. No entanto, seu uso deve ser cauteloso, responsável e sempre alinhado às legislações vigentes.
À medida que a tecnologia avança e a regulamentação se estrutura, a integração entre IA, bancos de dados e sistemas de gestão pode representar uma verdadeira revolução no setor de crédito, reduzindo custos, acelerando decisões e aumentando a efetividade das cobranças.