Consignado CLT registra inadimplência em um terço das empresas e expõe desafios operacionais do novo modelo
Entenda por que falhas sistêmicas, adaptação do RH e aumento dos juros explicam os primeiros obstáculos do crédito consignado para trabalhadores CLT

O consignado CLT, oficialmente chamado de Crédito do Trabalhador, surgiu com a proposta de ampliar o acesso ao crédito para milhões de brasileiros. No entanto, poucos meses após o lançamento, os dados já acendem um alerta importante para empresas, bancos e formuladores de políticas públicas. Um levantamento recente aponta que cerca de um terço das empresas que aderiram ao programa já registrou algum nível de inadimplência, muito mais relacionada a falhas operacionais do que à incapacidade de pagamento dos trabalhadores.
Consignado CLT e o cenário atual nas empresas
O programa foi lançado com o objetivo de simplificar o crédito consignado privado para trabalhadores com carteira assinada, incluindo também trabalhadores de aplicativo, empregados domésticos, rurais e microempreendedores individuais. A principal mudança está no fluxo da operação. Agora, o trabalhador solicita o crédito por meio da Carteira de Trabalho Digital, escolhe a instituição financeira e a empresa é apenas notificada para realizar o desconto em folha, respeitando o limite de 35% da renda.
Apesar da proposta de simplificação, a realidade operacional mostrou-se mais complexa. Segundo o estudo, realizado com 550 organizações, 46% das empresas ainda não conhecem corretamente o funcionamento do consignado CLT, o que contribui diretamente para falhas no processo.
Por que a inadimplência não está ligada apenas ao trabalhador
Um dos pontos mais relevantes do levantamento é a origem da inadimplência. Aproximadamente 65% dos casos decorrem de erros operacionais e sistêmicos. Entre os principais problemas estão atrasos no repasse de informações entre o RH e os bancos, falhas de integração com o eSocial e Dataprev e inconsistências no desconto em folha.
Apenas cerca de um terço das ocorrências está diretamente ligado ao não pagamento por parte do funcionário. Esse dado reforça que o problema, neste estágio do programa, está muito mais na engrenagem do sistema do que no comportamento financeiro do trabalhador.
O novo papel do RH no crédito consignado CLT
A mudança no modelo trouxe uma sobrecarga significativa para os departamentos de recursos humanos. As empresas passaram a ter novas obrigações operacionais, como garantir o correto envio de dados ao Emprega Brasil, acompanhar prazos de corte da folha, conciliar descontos e assegurar o pagamento das guias do consignado.
Esse novo conjunto de responsabilidades exige maior conhecimento técnico da folha de pagamento e integração precisa com sistemas governamentais e financeiros. Empresas que ainda não se adaptaram a essas rotinas tendem a enfrentar mais erros e, consequentemente, maior risco de inadimplência.
Ampliação do acesso ao crédito e aumento do risco percebido
Outro fator que influencia o cenário atual é a ampliação do acesso ao consignado CLT. Muitos trabalhadores que antes não tinham acesso a esse tipo de crédito passaram a contratar empréstimos, inclusive pessoas com score de crédito mais baixo. Dados indicam que uma parcela significativa dos novos tomadores possui score considerado elevado risco.
Além disso, a entrada de novos bancos ofertando crédito para empresas com as quais nunca tiveram relacionamento aumentou a assimetria de informações. Sem histórico suficiente, as instituições financeiras tendem a precificar o risco com juros mais altos, impactando diretamente o custo do crédito.
Juros mais altos refletem o período de adaptação
Em março, a taxa média de juros do consignado privado estava em torno de 44% ao ano. Em poucos meses, esse percentual subiu para cerca de 59% ao ano. Esse aumento reflete a combinação de riscos tradicionais, como desligamento do empregado, com novos riscos operacionais e a falta de maturidade do sistema.
Setores como indústria e comércio concentram os maiores índices de inadimplência, assim como empresas de pequeno e médio porte. Regionalmente, Nordeste e Sudeste apresentam os percentuais mais elevados, indicando que fatores econômicos e estruturais também influenciam o desempenho da modalidade.
Expectiva de ajuste e maturidade do consignado CLT
Apesar dos desafios iniciais, a expectativa do mercado é de acomodação nos próximos 12 a 18 meses. A tendência é que empresas se adaptem às novas rotinas, os sistemas ganhem estabilidade e a troca de informações se torne mais eficiente. Com isso, o risco operacional tende a diminuir.
Outro ponto importante para o futuro do consignado CLT é a possível regulamentação do uso do FGTS como garantia do empréstimo. Caso bem estruturada, essa medida pode reduzir significativamente o risco para os bancos e contribuir para uma queda gradual das taxas de juros.
O que empresas e trabalhadores devem observar daqui para frente
O consignado CLT representa um avanço relevante na democratização do crédito, mas ainda passa por um processo natural de ajustes. Empresas precisam investir em capacitação do RH e revisão de processos internos, enquanto trabalhadores devem compreender melhor as condições, custos e impactos do crédito em sua renda mensal.
Com mais maturidade operacional, segmentação de perfis de risco e maior integração de dados, o modelo tende a se tornar mais eficiente, seguro e acessível para todas as partes envolvidas.







