A pandemia das recuperações judiciais no agro e a insegurança do crédito rural
Entenda como o uso abusivo da recuperação judicial ameaça o crédito agrícola e compromete a sustentabilidade do agronegócio brasileiro

Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro, responsável por uma fatia significativa do PIB e pela segurança alimentar mundial, vem enfrentando um problema silencioso, mas de grande impacto: o aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial. A partir da Lei 14.112/2020, que reformou a Lei 11.101/2005, os produtores rurais passaram a ter acesso mais amplo a esse mecanismo, equiparando-se às empresas em geral. O objetivo inicial da mudança era proteger atividades essenciais e garantir a continuidade da produção, mas, na prática, abriu espaço para interpretações abusivas.
O uso indevido da recuperação judicial
O maior problema não está no número de pedidos, mas na forma como muitos deles são feitos. Em diversos casos, produtores buscam a recuperação judicial não como último recurso para salvar o negócio, mas como estratégia de gestão financeira. Há relatos de produtores que ampliam estoques, renovam maquinário e, logo em seguida, recorrem ao Judiciário para postergar dívidas. Esse tipo de prática distorce a finalidade da lei e coloca credores em posição de vulnerabilidade.
impactos no crédito rural
O uso oportunista da recuperação judicial tem gerado forte insegurança jurídica no setor de crédito rural. Bancos e instituições financeiras, receosos de que contratos sejam incluídos em processos judiciais, passaram a adotar critérios mais rígidos e até a restringir o volume de crédito concedido. A consequência é direta: produtores que cumprem suas obrigações acabam penalizados, com acesso limitado a financiamentos, taxas mais altas e prazos reduzidos.
Fragilidade das garantias e alienação fiduciária
Nos últimos anos, a alienação fiduciária e o penhor cedular se consolidaram como principais garantias no crédito agrícola, substituindo a hipoteca. No entanto, a prática excessiva da judicialização reduziu sua efetividade. Em alguns casos, bens oferecidos como garantia acabam sendo usados pelo devedor em recuperação sem a devida substituição ou consentimento do credor. Essa relativização das garantias compromete a confiança no sistema e afasta investidores e financiadores.
O risco sistêmico para o agronegócio
O cenário atual aponta para um risco sistêmico. Se cada ciclo de endividamento resultar em uma onda de recuperações judiciais, os bancos inevitavelmente tornarão o crédito mais caro e restrito. Isso afeta não apenas os produtores, mas toda a cadeia produtiva, gerando perda de competitividade, redução de empregos e queda na capacidade de investimento do setor.
A necessidade de equilíbrio jurídico
A recuperação judicial é um instrumento legítimo e necessário para preservar empresas e manter sua função social. No entanto, seu uso abusivo ameaça a credibilidade do sistema jurídico e financeiro. O Judiciário já começa a dar respostas mais firmes, como no caso AgroGalaxy, em que foram barradas cláusulas que buscavam estender indevidamente a proteção judicial a terceiros garantidores. Esse tipo de postura é fundamental para restabelecer a confiança no crédito rural.
O futuro do crédito rural e o agronegócio
Para garantir o futuro do agronegócio brasileiro, é essencial reforçar a segurança jurídica. Isso significa punir práticas abusivas, preservar garantias contratuais e adotar filtros mais rigorosos para o deferimento das recuperações judiciais. Sem crédito confiável e acessível, o setor perde competitividade, enfraquece cadeias produtivas e compromete sua relevância no cenário global.