Carreira

Retenção de talentos: futuro real ou promessas no papel?

Reter não é segurar à força, mas criar caminhos reais de desenvolvimento que façam sentido para cada pessoa.

Muitas empresas tratam retenção como um ato de “segurar” pessoas com salários, bônus ou contratos de longo prazo.

Mas reter não é aprisionar, é criar condições para que as pessoas queiram ficar.

– Quando a retenção é conduzida pelo medo de perder, a organização corre o risco de transformar talentos em prisioneiros desmotivados.
Nesse cenário, a saída mais provável não é a permanência, mas o desengajamento silencioso, aquele que corrói resultados por dentro.

O contexto real: números que incomodam

  • O Brasil registrou turnover médio de 56,4% em 2022 entre trabalhadores formais (CAGED).
  • A Robert Half aponta que o custo da substituição de um colaborador pode variar de 50% a 200% do seu salário anual.
  • A Gallup (2023) mostra que apenas 23% dos colaboradores no mundo se sentem engajados, e o desengajamento custa US$ 8,8 trilhões à economia global.

Em outras palavras, reter talentos não é só uma questão de RH, mas de estratégia e sustentabilidade do negócio.

Por que as pessoas saem e por que ficam

Por que saem:

  • Ambiente tóxico ou liderança deficiente: 32% dos profissionais citam ambiente negativo como principal motivo de saída; 30% apontam falhas de liderança (SHRM, 2023).
  • Falta de oportunidades reais de crescimento: 24% não enxergam futuro dentro da empresa (Forbes, 2023).
  • Exaustão e sobrecarga: baixa autonomia e excesso de trabalho aumentam o turnover voluntário (ArXiv, 2019).
  • Promessas não cumpridas: planos de desenvolvimento que nunca saem do papel geram frustração.
  • Falta de reconhecimento: pessoas que recebem reconhecimento consistente são 45% menos propensas a sair em até dois anos (Gallup, 2023).

Por que ficam:

  • Senso de pertencimento: vínculos com pessoas, cultura e propósito tornam a saída mais custosa (Job Embeddedness Theory).
  • Boa liderança: gestores que inspiram, escutam e apoiam são fator decisivo de permanência.
  • Reconhecimento consistente: valorização cotidiana sustenta motivação.
  • Desenvolvimento contínuo: aprendizado, mentorias e projetos desafiadores mantêm talentos engajados.
  • Equilíbrio e flexibilidade: políticas de bem-estar e autonomia ampliam a vontade de permanecer.

Em resumo, as pessoas saem de chefes ruins e ambientes tóxicos, e ficam por propósito, crescimento e cultura.

Dimensões invisíveis da retenção

Retenção verdadeira não depende apenas de pacotes de benefícios. Ela se sustenta em três pilares, diretamente influenciados pela liderança.

  1. Carreira: clareza de caminhos, IDPs, progressão e oportunidades de aprendizado.
  2. Cultura: pertencimento, propósito e alinhamento de valores.
  3. Experiência: autonomia, reconhecimento, qualidade das relações e equilíbrio de vida.

Empresas que enxergam apenas o salário como estratégia de retenção estão cuidando da superfície, não da raiz.

Críticas comuns que minam a retenção

Promessas de desenvolvimento sem prática: IDPs que ficam no papel são mais destrutivos que o silêncio.

Programas genéricos: oferecer um mesmo pacote para todos ignora que cada pessoa é movida por motivadores diferentes.

Retenção pelo medo: ameaças veladas reforçam insegurança, não pertencimento.

Reter pelo medo é como tentar segurar areia com as mãos: quanto mais força, mais rápido ela escapa.

A ilusão do “meu melhor recurso”

Outro erro frequente é impedir a mobilidade interna por medo de perder um talento em determinada área.

O raciocínio costuma ser: “Não posso abrir mão, é meu melhor recurso”.

– O resultado é o oposto do esperado. O profissional que buscava se desenvolver em outra frente acaba saindo não só da área, mas da empresa.

– É uma perda dupla: o colaborador não cresce internamente e a organização perde o potencial de reter esse talento em outro papel.

Retenção sustentável depende de mobilidade interna transparente. Permitir que pessoas explorem novas áreas, desafios e papéis não enfraquece a empresa, fortalece.

O que não é vs. o que é retenção de talentos

Não é…É…💡Como fazer?
Focar só em salário ou benefíciosCriar oportunidades reais de crescimentoDesenvolver trilhas de carreira transparentes e praticáveis
Prometer planos de desenvolvimento sem práticaInvestir em experiências concretasConectar PDIs a projetos, mentorias e desafios reais
Reter pelo medo de perderEngajar pelo propósitoConstruir pertencimento e vínculo cultural
Medir retenção apenas por números de turnoverEntender qualidade da permanênciaAvaliar engajamento, motivação e impacto real do time

Ferramenta prática: Plano de Desenvolvimento Individual (PDI)

O PDI é um plano co-construído entre líder e colaborador que serve para transformar a promessa de futuro em realidade prática.

Como aplicar bem:

  1. Co-construção: definir objetivos e caminhos de forma colaborativa.
  2. Clareza: responder “onde estou hoje?”, “onde quero chegar?” e “como a empresa pode
    apoiar?”.
  3. Execução real: garantir projetos, treinamentos ou oportunidades que sustentem o IDP.

PDIs são como mapas: só têm valor se viram viagem, não se forem apenas desenho bonito.

A provocação necessária

O que é pior: perder alguém para o mercado ou manter alguém que já desistiu por dentro?

– Sua equipe enxerga futuro real ou apenas promessas no papel?

– Como líder, você está oferecendo caminhos de desenvolvimento concretos ou apenas discursos motivacionais?

Para refletir

Reter não é segurar.
É criar um ambiente onde talentos queiram permanecer porque veem sentido, propósito e
futuro.

E isso depende menos de contratos e mais de cultura, liderança e desenvolvimento contínuo

Saiba mais

  • CAGED (2022). Estatísticas de Rotatividade.
  • Robert Half (2023). Custos do turnover.
  • Gallup (2023). State of the Global Workplace e Employee Retention Depends on Getting
    Recognition Right.
  • SHRM (2023). Why Employees Leave.
  • Forbes (2023). Beyond Money: The Real Reasons Employees Stay Or Leave.
  • Mitchell, T. R. et al. (2001). Job Embeddedness Theory.
  • ArXiv (2019). Why Do Developers Stay or Leave in the Brazilian Software Industry?

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Ale Rabin

Ale Rabin é, acima de tudo, humana. Mãe, ceramista e executiva com mais de 30 anos de experiência em empresas como Loggi, Johnson & Johnson, Yahoo, Vivo e UOL. Atuou em tecnologia, operações, experiência e sucesso do cliente, integrando dados, pessoas e estratégia. Fundadora do TATUdoBEM e cofundadora do Nós, também é conselheira TrendsInnovation, mentora e palestrante. Apaixonada por gente, conecta múltiplos papéis com visão nexialista e multicultural, unindo diversidade de ideias e culturas para gerar impacto real.

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