
Quando olho para trás na minha trajetória, percebo que cada passo que dei não foi apenas sobre alcançar um cargo ou uma função. Foram movimentos de autodescoberta que me transformaram como pessoa e como profissional. Afinal, ao longo da caminhada não somos, mas estamos. Mudamos, acrescentamos novas competências, aprendemos coisas diferentes, desaprendemos e deixamos outras para trás. A cada etapa, eu me preparava, me desafiava e me tornava alguém diferente em constante evolução.
Depois de priorizar minha saúde emocional e profissional, comecei a me questionar sobre o que realmente significa construir uma carreira. Até onde fomos guiados pela ideia de que “ser” é ocupar um cargo ou um título? E até onde a vida se encarrega de nos mostrar que, na verdade, estamos em papéis temporários, emprestando nossas competências para contextos que também mudam?
Vivemos sob o mito do “ser alguma coisa”: ser gerente, ser diretor, ser especialista. Como se fosse uma identidade fixa que nos acompanha para sempre. Mas a verdade é que estamos nessas posições por um período. Nesse tempo emprestamos nossas múltiplas camadas — técnica, humana, criativa, analítica — para resolver problemas, liderar pessoas, aprender com situações.
E não é apenas no trabalho. Na vida também estamos: mãe, filha, amiga, aprendiz, cuidadora, artista, líder. Papéis que se transformam ao longo do tempo, com novas aprendizagens e desapegos. Essa transitoriedade, longe de ser fraqueza, é justamente o que nos permite evoluir continuamente.
O mercado, no entanto, reforça o mito quando pergunta: “de onde você é?”. A resposta esperada não é sobre quem somos, mas sobre qual CNPJ estampamos no crachá. Como se o valor de uma pessoa estivesse sempre atrelado a um sobrenome corporativo. Isso invisibiliza histórias, talentos e singularidades, dando palco apenas ao “ser de algum lugar”.
Mas antes de qualquer empresa, somos humanos. O resto, cargos, títulos e organizações, é apenas onde estamos em determinado momento.
No fundo, somos muitas coisas. E a cada momento da vida, oferecemos uma parte diferente desse todo para ocupar um papel.
Esse reconhecimento é libertador. Nos ajuda a ressignificar o medo do etarismo, das transições de carreira e das mudanças inevitáveis. Porque se não “somos” para sempre aquele cargo ou aquele papel pessoal, também não estamos condenados a perder nossa relevância quando não o ocupamos mais.
Algumas perguntas inevitáveis ressoam:
- O que faríamos de forma diferente se já tivéssemos compreendido isso antes?
- Como repensar o futuro sem cair na armadilha de aprisionar nossa identidade a um título?
- Como nos permitir transitar entre papéis sem nos sentirmos “menos”?
- E, talvez o mais importante: por que ainda perguntamos às crianças o que elas querem ser quando crescer, em vez de perguntar o que elas gostariam de experimentar, aprender ou viver?
Carreira não é escada, nem linha reta. É rede, espiral, ondas. É movimento.
E talvez, se aceitarmos que somos múltiplos e estamos em papéis temporários, possamos escrever futuros menos rígidos e mais humanos para nós mesmos e para as organizações das quais fazemos parte.
E se carreira não for sobre ser algo para sempre, mas sobre estar em diferentes papéis ao longo da vida?
O verdadeiro valor não está no título que carregamos, mas na capacidade de habitar diferentes lugares sem perder a essência.
Talvez a pergunta certa não seja “o que você é”, mas sim: “quem você está disposto a ser, e estar, agora?”