Carreira: do mito da linha reta à construção de caminhos plurais
Descubra por que o sucesso profissional não segue uma linha reta e como construir uma carreira plural, com propósito, aprendizado e liberdade para mudar de rota.

Muitas vezes crescemos acreditando que uma carreira de sucesso é linear: uma escada em que subimos degrau após degrau, com cada passo cuidadosamente previsto. Essa visão, no entanto, não corresponde à realidade da maioria das trajetórias profissionais e, principalmente, não dá conta das escolhas, pausas e
reinvenções que marcam muitas carreiras.
Da escada à rede: uma nova forma de enxergar a progressão
Durante muito tempo, a ideia de carreira foi associada a uma escada: uma sequência linear de cargos, responsabilidades e remunerações crescentes. Hoje sabemos que essa visão é limitada.
As oportunidades de crescimento e desenvolvimento são muito mais amplas — e não dependem apenas de uma promoção. Elas podem surgir de diferentes formas, como:
- Ampliar responsabilidades dentro da função atual;
- Assumir projetos especiais que aumentem a compreensão do negócio;
- Participar de experiências internacionais que ampliem a mentalidade empresarial;
- Fazer movimentações laterais ou verticais para funções em outros níveis ou áreas.
Essas vivências constroem carreiras mais gratificantes e satisfatórias. É o conceito do lattice pathway: uma carreira em rede, feita de cruzamentos, pausas e desvios que enriquecem o percurso.

Uma provocação de Alice
Na célebre fala de Alice no País das Maravilhas, ao perguntar qual caminho deve seguir, o Gato responde:
“Se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve.”
A metáfora traz uma provocação essencial: se não sabemos para onde queremos ir, podemos até seguir o fluxo do que aparece mas dificilmente chegaremos ao destino que realmente desejamos.
Muitas vezes enxergamos os caminhos da carreira como trilhas já desenhadas pela empresa, bastando segui-las. Mas será que conhecemos de fato os caminhos que estão à nossa frente?
- Sabemos quais deles nos motivam?
- Quais nos desafiam?
- Quais realmente nos levarão aonde queremos chegar?
- Eles estão alinhados aos nossos objetivos ou apenas repetem trajetórias alheias?
A carreira é nossa. Podemos simplesmente aceitar os caminhos prontos, mas, se queremos de fato evoluir, precisamos escolher conscientemente quais trilhas seguir.
Como disse William Morin:
“A carreira é um bem precioso demais para ser entregue a terceiros.”
O que a pesquisa revelou
Em uma pesquisa que realizei antes de uma palestra, propus três perguntas para provocar reflexão. As respostas mostraram como enxergamos e vivemos nossas carreiras:
- Progressão linear: 58% disseram não acreditar que carreiras sejam lineares; 18% ficaram em dúvida; e apenas 24% ainda acreditam nessa ideia.
- Plano de carreira: 51% afirmaram que não cabe à empresa desenhar planos de carreira prontos; 36% ficaram indecisos; e só 13% concordaram com essa visão.
- Hora da ação: 64% disseram não acreditar que cada um precise trabalhar sozinho em sua carreira; 24% ficaram em dúvida; e 13% afirmaram que sim.
Esses dados mostram que já há consciência de que a carreira não é linear, não depende apenas da empresa e não deve ser solitária.
Ainda assim, muitos profissionais se sentem sem clareza, parados entre intenção e prática, ou inseguros sobre qual movimento fazer.
Clareza e responsabilidade pelo desenvolvimento
Se fazemos promessas pessoais parar de fumar, aprender um idioma, melhorar a saúde —, por que tantas vezes negligenciamos as promessas profissionais?
Metas sem ações são apenas intenções.
A responsabilidade de transformá-las em realidade é nossa.
Não cabe esperar que líderes, RH ou empresas decidam nossos próximos passos.
O protagonismo de carreira começa com clareza de direção e disciplina para agir.
Passo a passo: dividir para conquistar
- O que eu quero?
Defina sua direção e estabeleça 1 a 3 critérios de sucesso para os próximos 12 meses. - O que preciso fazer?
Transforme a direção em metas e microações com uma frequência definida (por exemplo, metas semestrais e microações mensais). - O que ajuda ou atrapalha?
Mapeie alavancas e barreiras; acione sua rede ou mentores para destravar o caminho. - Como vou acompanhar?
Registre evidências de impacto, faça revisões periódicas (30–60–90 dias) e ajuste a rota conforme necessário.
Melhor não ter um mapa do que seguir um mapa errado.
Carreira não é cargo. Um “mapa” que te aprisiona a um título pode te afastar da rota de aprendizado e impacto.
Prefira direção + hipóteses a um trajeto rígido: teste, meça, aprenda, ajuste.
Protagonismo é isso: clareza de rumo + passos pequenos e consistentes, com coragem para corrigir a rota quando necessário.
Quero → Faço → Ajusto → Repito.
A força da rede
Protagonismo não significa caminhar sozinho. Toda trajetória é atravessada por apoios, inspirações e aprendizados que vêm da rede que cultivamos.
Mentores, colegas, comunidades e conexões são alavancas poderosas de desenvolvimento.
Rede é prática, não teoria. Exige presença, apoio e compartilhamento de aprendizados.
“Se você não gosta de onde está, mova-se: você não é uma árvore.”
E agora?
A provocação que fica é simples:
- Você está deixando sua carreira no piloto automático, nas mãos de outros?
- Ou tem feito escolhas conscientes, alinhadas ao que quer e ao que acredita?
No fim, não existe um único caminho de sucesso — mas sim a coragem de reconhecer que o percurso pode ser múltiplo, plural e, acima de tudo, seu.

E talvez a pergunta mais honesta sobre carreira seja a que carregamos desde a infância:
“O que você quer ser quando crescer?”
A resposta, quem sabe, não precise ser um cargo ou título, mas algo muito mais essencial:
“Escandalosamente feliz.”