Contato com o cliente – o desafio só aumenta
Como tecnologia, regulamentação e comportamento do consumidor estão redefinindo o futuro da comunicação e da cobrança no Brasil

O contato entre empresas e clientes passa por uma transformação, no mínimo desafiadora. Por um lado, temos a tecnologia que oferece um leque de possibilidades com canais e soluções de personalização cada vez mais modernos, por outro, estabelecer um contato efetivo e confiável com cliente, principalmente para a cobrança, se tornou um desafio exponencial. O modelo de comunicação em massa e das insistentes e indiscriminadas chamadas telefônicas está em declínio. Um novo ecossistema surge, mais rígido, com regulamentações, tecnologias de bloqueios e, principalmente, por um consumidor cada vez mais cauteloso e digitalmente empoderado.
As conhecidas barreiras enfrentadas nas operações de cobrança para se obter um contato positivo junto ao cliente são potencializadas por três frentes: A regulatória, a tecnológica e a comportamental.
A regulamentação aumenta o cerco ao indesejado
A atuação dos órgãos reguladores, como a Anatel, é uma resposta direta ao volume insustentável de chamadas abusivas, que incluem telemarketing insistente e, em grande parte, ligações de cobrança. O Brasil, por muito tempo, figurou como um dos países com o maior número de chamadas indesejadas do mundo, com estimativas de bilhões de ligações feitas por robôs mensalmente, as chamadas robocalls.
Na tentativa de combater esse problema, a Anatel implementou algumas medidas que impactam diretamente a forma como as empresas podem se comunicar por voz.
O Código 0303 (Telemarketing) e 0304 (Cobrança): A obrigatoriedade de utilizar prefixos específicos para identificar o tipo chamadas, tinha como objetivo dar transparência ao consumidor. Embora a obrigatoriedade do 0303 tenha sido flexibilizada, a iniciativa visava diferenciar o contato legítimo do abusivo. No entanto, o efeito prático foi o aumento da rejeição. Ao ver o prefixo na tela do seu celular, o consumidor simplesmente ignora a chamada. Considerando este comportamento, é de esperar que, para cobrança, o consumidor mal-intencionado fizesse o mesmo.
A implementação do STIR/SHAKEN: Essa tecnologia representa um marco regulatório de segurança e seu objetivo é autenticar a origem da chamada, garantindo que o número exibido no identificador seja, de fato, o número da empresa que está ligando. Essa medida, que está sendo implementada no Brasil desde 2024, visa combater a prática de spoofing (falsificação de identificação) e, consequentemente, reduzir fraudes e golpes. Para as empresas de cobrança, isso significa que, embora a autenticidade seja garantida, a pressão para que a chamada seja legítima e relevante aumenta. Uma chamada autenticada, mas indesejada por exemplo, pode gerar uma rejeição ainda mais forte, levando o cliente também a ignorá-la.
A regulamentação, embora necessária para proteger o consumidor, impõem filtros rigorosos e as empresas que dependem do contato telefônico tradicional precisam agora não apenas cumprir a lei, mas também provar a relevância de sua comunicação junto ao cliente, para ultrapassar a barreira da desconfiança.
A tecnologia e os poderes humanos
Paralelamente à regulamentação, a tecnologia evoluiu de forma autônoma, colocando o poder de filtragem diretamente nas mãos do consumidor.
Filtros de spam nativos: Os sistemas operacionais dos smartphones e aplicativos de operadoras de telefonia móvel incorporaram algoritmos sofisticados que identificam e silenciam automaticamente chamadas suspeitas ou de números não salvos. Uma única campanha de cobrança com alta taxa de rejeição pode fazer com que o número da empresa seja rapidamente classificado como “spam” ou “telemarketing” pelo sistema, tornando-o invisível para o cliente.
O efeito “metralhadora”: A prática de discagem automática em massa, ou robocalls, usada para otimizar o tempo dos operadores, tornou-se uma armadilha. A alta frequência de chamadas não atendidas ou desligadas pelo cliente alimenta os algoritmos de spam, que penalizam o número de origem. O que era uma ferramenta de eficiência se transformou em um fator de bloqueio, contribuindo para a estatística de que o consumidor brasileiro recebe bilhões de ligações automatizadas.
Essa barreira tecnológica cria um paradoxo, reflita comigo: quanto mais a empresa tenta ligar para garantir o contato, mais ela é penalizada pelos filtros e menos consegue falar com o cliente. O resultado é um custo operacional crescente para uma taxa de sucesso cada vez menor
A mudança comportamental – cautela é a palavra da vez
Talvez o fator mais impactante e decisivo nessa história seja no consumidor. Mais empoderado, com acesso simplificado à informação e acompanhando a crescente onda de tentativas de golpes, vem mudando seu comportamento e seu posicionamento frente às abordagens que recebe.
A desconfiança generalizada: A proliferação de golpes telefônicos, em especial, como o golpe do falso sequestro, da falsa central de atendimento ou da clonagem de WhatsApp, elevou o nível de alerta do consumidor a um patamar de atenção máxima. O telefone fixo ou celular, antes um canal de comunicação confiável, é agora visto como um potencial risco. O consumidor aprendeu a regra de ouro: não atenda números desconhecidos. Essa postura defensiva, embora racional, bloqueia o contato legítimo de cobrança.
A busca por autonomia e canais assíncronos: O cliente moderno prefere resolver problemas no seu próprio tempo e por canais que lhe ofereçam controle e registro. A cobrança migrou, em grande parte, para canais digitais assíncronos, como WhatsApp, e-mail e portais de autonegociação. Nesses ambientes, o cliente pode analisar a proposta, verificar a autenticidade da empresa (que precisa saber se comunicar de forma eficiente) e decidir negociar sem a pressão de um operador, cobrador ou especialista. As redes sociais, por sua vez, tornaram-se canais de contato e de reclamação, forçando as empresas a monitorar e responder rapidamente para evitar danos à reputação.
Novos indicadores da cobrança: A confiança e a relevância
Diante desse cenário, a estratégia de contato com o cliente na cobrança, não pode mais se basear apenas na insistência ou no volume de abordagens. Não se define mais a régua somente por intensidade de acionamento versus a propensão de pagamento. O sucesso passa pela capacidade de construir confiança e entregar relevância.
A cobrança moderna exige uma abordagem omnichannelinteligente, onde o telefone é apenas uma das ferramentas, e não a principal.
Inteligência de dados e timing: É fundamental utilizar analytics para determinar o melhor canal, o melhor horário e a melhor mensagem para cada perfil de cliente. Em vez de 10 ligações rejeitadas em uma hora, uma única mensagem personalizada no WhatsApp, no momento certo, pode ser mais eficaz. A segmentação de devedores deve guiar a intensidade, canal e uma comunicação eficaz, que transmita a confiança necessária e a relevância adequada, convencendo o cliente a evoluir na conversa ou interação.
Autenticidade e transparência digital: A empresa deve investir em canais digitais oficiais e verificados. O uso do WhatsApp Business API com o selo de verificação, por exemplo, oferece a segurança visual que o cliente busca para mitigar o medo de golpes. Da mesma forma o RCS mostra a mesma possibilidade, apesar de ainda não ter ganho escala na cobrança. O e-mail deve ser claro, com links seguros para o portal de negociação, ou os telefones de contato e, principalmente, as redes sociais da empresa.
A cobrança como serviço: A comunicação deve ser empática e focada na solução, tratando a cobrança como um serviço de apoio financeiro. A flexibilidade nas opções de pagamento e a clareza nas informações são cruciais para transformar um momento de atrito em uma oportunidade de fidelização.
O desafio do contato com o cliente aumentou porque o poder de escolha e o filtro de desconfiança migraram para o lado do cliente. As empresas que sobreviverão e prosperarão neste novo ambiente são aquelas que entenderem que a qualidade da comunicação, sua autenticidade, relevância e empatia são os novos fatores de sucesso. As antigas métricas de volume de tentativas não definem mais resultados. O telefone não morreu e, particularmente, não o vejo morrendo tão cedo. Contudo, a sua função vem mudando para um canal onde se trata casos mais complexos, ou simplesmente, é aquele no qual o cliente tem preferência.
E você, tem observado essas mudanças?






