CAPA

Meu local de fala: entre privilégios, responsabilidades e a coragem de abrir caminhos

Reflexões sobre como reconhecer privilégios pode se transformar em responsabilidade e abrir caminhos para inclusão, diversidade e impacto coletivo.

No último dia 20, ao ouvir o Diego Dalledone no evento IA no Popular, fui atravessada por uma fala simples e potente: a importância de abrir portas, dar oportunidades e popularizar acessos, seja a tecnologias, seja a informações embasadas, seja a diferentes pontos de vista, seja a espaços de decisão.

Essa ideia ecoou fundo em mim porque conecta com algo que sempre esteve presente na minha trajetória: reconhecer os privilégios do meu local de fala e transformá-los em responsabilidade.

A escritora Anaïs Nin dizia: “Nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos.” Essa frase traduz bem como cada um de nós interpreta o mundo a partir das lentes da própria história. No meu caso, é impossível não reconhecer o quanto essas lentes foram moldadas pelo privilégio: sou mulher branca, de classe média, sempre estudei em escolas particulares, venho de uma família em que todos os quatro avós tinham ensino superior, dois engenheiros, uma médica e uma farmacêutica. Cresci cercada por mulheres fortes, com acesso a oportunidades que não representam a realidade da maioria no Brasil.

Reconhecer isso não diminui minhas conquistas, mas me lembra todos os dias que muitos não partem da mesma linha de largada. E que, justamente por isso, quem tem privilégios precisa agir de forma ativa: ser aliado, patrocinador, ponte.

Uma mentora aconselha. Uma aliada apoia, dá suporte, abre portas e advoga por perspectivas que precisam ser ampliadas. Mas uma patrocinadora vai além: coloca o nome de alguém na mesa, recomenda em espaços de decisão e cria oportunidades concretas.

Os dados no Brasil mostram a urgência desse papel: pretos e pardos representam 55,5% da população, mas ocupam menos de 5% dos cargos de liderança nas 500 maiores empresas. Mulheres estão em cerca de 38% dos cargos de gestão, mas ainda sem relevância em posições de liderança estratégica como conselhos, diretorias executivas e presidências. E quando olhamos para mulheres negras, a desigualdade se torna ainda mais gritante: apenas 3% ocupam cargos de liderança. Esses grupos não são minoria; são minorizados por estruturas que limitam acesso, representatividade e poder.

Foi minha própria jornada de autoconhecimento que me ensinou que empatia não é “me colocar no lugar do outro”, porque nunca sentirei na pele a mesma história. A empatia que pratico é outra: a de escutar de verdade, ser curiosa sobre o que moldou perspectivas diferentes da minha, redesenhar meus modelos mentais e, a partir daí, cocriar soluções que carreguem outros pontos de vista.

Essa visão também foi o que me levou a cocriar o Nós, uma rede de apoio e liderança feminina que nasceu para ser espaço seguro de fala, escuta e fortalecimento. E o que me inspirou no TATUdoBEM, projeto de cerâmica artesanal que conecta arte, afeto e impacto social, revertendo o lucro das vendas  para iniciativas de impacto social que ampliam oportunidades. Em diferentes formas, ambos são tentativas de abrir caminhos para além de mim mesma, porque o impacto só faz sentido quando é coletivo.

A diversidade não é apenas uma pauta moral, ela também é estratégica. O Braincast Quem Lacra, Lucra mostrou como o programa de trainee do Magazine Luiza para pessoas negras valorizou o preço das ações em quase 3% em apenas cinco dias, reforçando que inclusão gera inovação e impacto real. Ainda no HBR IdeaCast, especialistas reforçam que quem tem poder e privilégio precisa se posicionar como aliado ativo: abrindo espaços, enfrentando microagressões e patrocinando talentos.

No fim, falar de local de fala é também falar de escolhas. Escolher não apenas ocupar espaços, mas usá-los para multiplicar oportunidades. Reconhecer que não vemos o mundo como ele é, mas como somos, e, ainda assim, ter a coragem de ampliar nossa visão a partir do olhar de outros.


 Para ouvir mais sobre o tema:

 Referências

  1. IBGE – Censo 2022.
  2. Meio & Mensagem (2023). Negros brasileiros ocupam menos de 5% dos cargos de liderança.
  3. Forbes Brasil (2024). Mulheres ocupam 38% dos cargos de liderança no Brasil.

Ale Rabin

Ale Rabin é, acima de tudo, humana. Mãe, ceramista e executiva com mais de 30 anos de experiência em empresas como Loggi, Johnson & Johnson, Yahoo, Vivo e UOL. Atuou em tecnologia, operações, experiência e sucesso do cliente, integrando dados, pessoas e estratégia. Fundadora do TATUdoBEM e cofundadora do Nós, também é conselheira TrendsInnovation, mentora e palestrante. Apaixonada por gente, conecta múltiplos papéis com visão nexialista e multicultural, unindo diversidade de ideias e culturas para gerar impacto real.

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