Do discurso à prática: estamos prontos para diversidade de verdade?
Como transformar narrativas em pertencimento real dentro das organizações

Diversidade e inclusão são expressões frequentes em relatórios, palestras e campanhas institucionais. Mas, quando ficam apenas no discurso, correm o risco de se tornarem palavras vazias.
A verdade é que diversidade não é só uma pauta ética, é também uma estratégia de impacto. Pesquisas da McKinsey mostram que empresas com maior diversidade de gênero têm 25% mais chances de ter lucratividade acima da média, e aquelas com maior diversidade étnica chegam a 36% mais chances. No
Brasil, estudos do Movimento Mulher 360 apontam que equipes diversas são mais inovadoras, reduzem turnover e aumentam engajamento.
Ou seja, diversidade é importante porque gera justiça social e vantagem competitiva.
Mas o que realmente transforma ambientes não é a narrativa, e sim a prática intencional: como buscamos talentos, como conduzimos entrevistas, como distribuímos oportunidades, como ouvimos vozes diferentes. É aí que diversidade deixa de ser promessa e se torna realidade, e onde inclusão se prova todos os dias.
1. Processo seletivo: intencionalidade desde a busca
O desenho de uma simples barra de navegação de páginas, que costumo usar em palestras, ajuda a ilustrar esse ponto. Desde a busca por um determinado profissional, já existe um divisor de águas importante.
Na minha trajetória em áreas historicamente masculinas, como tecnologia, percebi como a falta de intencionalidade reforça desigualdades. Se uma busca acontece sem qualquer cuidado, a probabilidade de que os primeiros resultados tragam apenas homens é enorme. E se a short list inicial for formada só por homens, como esperar que a contratação final seja diversa?
Por isso, uma exigência que sempre adotei foi que a short list tivesse equilíbrio mínimo de gênero. Sim, dá mais trabalho. Mas como esperar mais diversidade se as oportunidades já começam sem ela?
E agora, com a chegada da Inteligência Artificial, essa reflexão precisa ser redobrada. Os algoritmos aprendem com dados históricos, e se esses dados carregam vieses, o resultado tende a reproduzi-los. Cabe a nós, líderes e organizações, sermos intencionais para que a tecnologia não amplifique exclusões, mas abra caminhos.
2. Entrevistas: transparência e equidade como prática
As entrevistas não podem mais ser vistas como uma guerra em que o candidato precisa travar batalhas para avançar. Devem ser uma via de mão dupla, em que empresa e candidato se avaliam mutuamente.
Por que não auxiliar o candidato nessa jornada? Empresas como a Amazon já fazem isso, enviando materiais robustos antes de cada etapa, explicando o formato, os objetivos e até quem será o entrevistador. Outras organizações, como Google e Magazine Luiza, também são conhecidas por boas práticas que buscam tornar a experiência do candidato mais clara, transparente e respeitosa.
Essas iniciativas reduzem ansiedade, nivelam expectativas e garantem que o candidato traga o melhor de si. Mais do que isso: demonstram que a empresa valoriza ética, diversidade e clareza, e entende que escolher bem é uma responsabilidade compartilhada.
Essa intencionalidade pode ir além. Feedbacks estruturados são fundamentais mesmo para quem não segue adiante no processo. Esse não é um tema exclusivo de diversidade e inclusão, mas se conecta diretamente ao pertencimento e à ideia de equidade: dar às pessoas elementos para aprender e se desenvolver, em vez de deixá-las no silêncio do “não”.
Outro passo essencial é estruturar entrevistas para reduzir vieses. Isso começa com uma lista organizada de perguntas, aplicadas igualmente a todos os candidatos. Assim, as respostas podem ser comparadas de forma objetiva, evitando que vieses inconscientes influenciem a decisão.
Um bom exercício é se perguntar, antes de criar o guideline da entrevista:
“Essa pergunta seria feita a qualquer pessoa?”
Se a resposta for não, então essa pergunta não deve ser feita. Um exemplo clássico é: “Com quem fica seu filho enquanto você trabalha?”, questionamento muitas vezes direcionado a mulheres, mas raramente a homens.
Além disso, garantir representatividade no processo faz diferença: dar ao candidato a chance de interagir com pessoas do mesmo recorte buscado aumenta a confiança e reforça a seriedade do compromisso. E quando essa representatividade ainda não existe, a saída não é mascarar a realidade, mas sim ser transparente sobre a jornada de mudança.
3. O dia a dia: onde pertencimento se constrói
Contratar diversidade é apenas o primeiro passo. O verdadeiro desafio está em criar ambientes onde as pessoas diferentes que entram também desejem ficar, crescer e contribuir.
É no cotidiano que a inclusão se prova:
- Na forma como reuniões são conduzidas (quem tem voz? quem é interrompido? quem nunca é chamado? e como garantir que, mesmo quem não fala naquele espaço, tenha sua contribuição reconhecida em outros formatos).
- Na linguagem usada (piadas, expressões e metáforas reforçam ou quebram estereótipos?).
- Na distribuição de oportunidades (quem recebe os projetos mais estratégicos? quem é promovido?).
Um time diverso só gera valor se houver pertencimento. Isso exige segurança psicológica, conceito reforçado por Amy Edmondson em seus estudos: criar um espaço em que pessoas sintam liberdade para errar, perguntar e discordar sem medo de retaliação.
- Diversidade é quando todos entram.
- Inclusão é quando todos têm voz.
- Pertencimento é quando todos são ouvidos.
Mas inclusão não é sinônimo de dar o mesmo palco a todos. Colocar cada pessoa sob os mesmos holofotes pode ser excludente. Algumas contribuem melhor em público; outras, em grupos menores ou em forma escrita. Inclusão real é criar múltiplas formas de expressão, legitimando que cada pessoa contribua do jeito que melhor reflete seus pontos fortes.
Outro ponto essencial: o modelo mental de cada pessoa é único. Empatia, na prática, não é “se colocar no lugar do outro”, porque não vivemos as mesmas histórias. É, sim, buscar compreender as lentes que moldam suas percepções, as barreiras e as alavancas que orientam seu comportamento. Esse esforço de entender o outro permite cocriar soluções mais justas e eficazes.
Na liderança do dia a dia, isso significa também sair do automático. É comum, inclusive em mim, a tendência de agir com os outros da forma como gostaríamos que agissem conosco. Mas diversidade exige outra lógica: agir de acordo com o que o outro precisa. E isso só se constrói com confiança.
Uma vez estabelecida, é possível criar um protocolo de mão dupla, em que líder e liderado definem juntos:
- O que é bom e o que não é, na perspectiva de cada lado.
- Quais ferramentas, linguagens ou formatos funcionam melhor para aquela relação.
- Como equilibrar expectativas para que a parceria floresça.
E, por último, liderança inclusiva não significa ter todas as respostas. Significa também buscar apoio. Criar, usar e manter uma rede de apoio é essencial.
Lembro de um líder do meu time que me procurou para ajudá-lo em um tema de maternidade com uma liderada. Ao pedir ajuda, ele mostrou maturidade: reconheceu que não teria sozinho a melhor solução e transformou a situação em aprendizado mútuo. Ele aprendeu comigo, eu aprendi com ele, e a liderada
recebeu o suporte adequado.
Esse princípio vale também para o desenvolvimento de características, habilidades e conhecimentos específicos: outros líderes e pares podem ser pontes. Diversidade e inclusão também significam reconhecer que ninguém lidera sozinho, e que pedir ajuda é sinal de força, não de fraqueza.
Um convite à reflexão
Diversidade e inclusão na prática não são checklists nem projetos pontuais. São escolhas diárias:
- Na forma como buscamos talentos.
- Na clareza e intencionalidade das vagas.
- Na forma como conduzimos entrevistas e devolvemos feedbacks.
- E, principalmente, em como cultivamos pertencimento no dia a dia.
E deixo aqui algumas perguntas para você refletir:
- O que sua empresa tem feito, de forma prática, para transformar diversidade e inclusão em pertencimento real?
- Que experiências você já viveu que mostram a diferença entre discurso e prática?
- Que caminhos ainda precisam ser abertos, e por quem?
Compartilhar essas vivências é essencial, porque é na troca que aprendemos, evoluímos e multiplicamos o impacto.